Pessoas que correm para sentar em coletivos me intrigam mesmo. Tornaram-se, com os anos, objeto de especial carinho da minha mente que se apega tão pouco as coisas. Assim,por mais que eu pense em outros assuntos, uma parte do meu ser trabalha paralela e constantemente buscando entende-las. Em vão.
Suposicoes sobre os motivos dessa gente me mudaram tanto, que viajar sentado em onibus, por exemplo, deixou há tempos de ser um dos pequenos prazeres ameliepoulanescos do meu dia. Mesmo que muitos lugares estejam livres. Tenho ciencia de que tudo muda e que nao tenho conhecimento de uma nesga que seja do future. E se algo fora de meu controle, como o afluxo de mais pessoas que assentos, converter-me automaticamente em usurpador de lugar de alguem mais cansado, quem sabe um idoso? Eu poderia simplesmente levanter-me claro. Ainda assim prefiro nao correr tal risco.
Devo mencionar que não é bondade que me transforma nesse clarao de humanitarismo nos coletivos cariocas. Convem, alias, lembrar meu egocentrismo que arrasto com um quase orgulho. Porem, como ninguem é mau de todo, não sendo bondoso sou sincero.E é essa sinceridade, impedindo-me de ignorar minha natureza e transformar esse texto numa grande e chata licao de moral, que possibilita que o que escrevo, apesar de igual tamanho e chatisse, seja coerente. Cedo lugares ao passivo universal por culpa apenas. Sem largar o egocentrismo por um segundo, sacrifico meu conforto e permito o de terceiros visando tão somente minha propria paz interior.
Parece exagero, meio desproporcional, eu sei. Mas para mim é questao de lógica, de pura e simples deduçao. Ignoro detalhes da vida dos outros passageiros, mas sei da minha. Se as sete da manha pego um onibus, isso nao me faz esquecer que a pouco acordara de uma boa noite de sono. Estou, assim como qualquer outro, num limbo matinal. Entre a sonolencia e a preguica, longe da exaustao. Banho tomado e barriga cheia, sigo para faculdade preparado para um dia que, apesar de cansativo, é totalmente sustentavel. Que eu adoraria ir sentado é obvio. Entretanto, a ideia de ir em pe nao é algo que me apavora pois, mesmo sonolentos, mente e corpo asseguram, com conviccao, que aguentam quinze sacolejantes minutos em pe.
Do paragrafo anterior que retiro minha premissa dedutiva: Pessoas não idosas ou enfermas , quando não exaustas, aguentam quinze minutos de pe. Acredito que, para quem tem bom senso, aceitar tal premissa nao significa grandes esforcos. Nisso concordamos todos, ok, premissa valida.É bom que fique claro que por aceitar a premissa nao entende-se renunciar perpetuamente a todo e qualquer banco de coletivo. Isso é uma decisao pessoal minha. Espero dos outros apenas o simples reconhecimento de que ficar em pe vinte minutos, que seja, nao é o maior dos sacrificios quando é um ato que a cidadania torna necessario ou simplesmente faltam assentos livres.
De qualquer forma, ignorar a realidade de cada passageiro individualmente nao significa de maneira alguma ignorar a realidade da populacao carioca como um todo. Habita em mim a nocao de que comer, dormir e tomar banho da-me vantagem comparativa enorme sobre muitos dos meus companheiros de jornada. Alguns mal comeram, uns mal dormiram, tantos outros nem um nem outro.Muitos trabalharam demais. Convenhamos que Rio de Janeiro nao é Suiça e que boa parte da tripulacao desse onibus que corta a zona sul veio de outros pontos cardeais. Quanto a urgencia desses em se sentar, não tenho objeções. Seria muita mesquinharia reclamar reclamar meus quinze minutos a esses que nao tem outra opcao que a de descansar no onibus,ja que do onibus vem boa parte do tempo que tem para descanso. Eu que durma mais cedo! Não é improvavel que o proprio motorist tenha vindo do mais longiquo suburbia, quem sabe caronando o leiteiro de Drummond, trazer transporte ruim pra gente, espero eu, boa.
Digo “espero eu” pois mesmo que os idosos, exaustos, enfermos, ferrados em geral, enfim,mesmo que esses, cuja ansia pelo descanso é inteligivel aos sensatos, sentem-se, a conta não fecha. O numero dos que se degladeiam, correm, tacam mochilas e bolsas, que, fosse o banco comestivel, come-lo-iam é maior, e muito, do que os que a sensatez perdoa. Que queiram sentarem-se! e por que nao iriam de querer? Mas é assim tão necesssaria, as sete da manha, essa ferocidade que , tenho certeza, não é de gente de boa natureza tendo duvidas, inclusive, se é de gente? Seria tão custosa a gentileza matinal, que pede somente um bom dia ao trocador e ao motorista, que nao requer nem que se abra mao do lugar, mas que a ele nos dirijamos ao menos de forma mais civilizada? É impossivel evitar que se comece no onibus, em plena sete da madrugada, uma tensao que irremediavelmente aparecerá no decorrer do dia?
E nisso baseia-se minha decisao de ficar em pe. Nao se trata de protesto, é quase uma homenagem alem de otimo negocio. Se, em troca de manter minha fe na bondade intrinseca das pessoas tudo que tenho que fazer é admitir que cada desesperado por lugar não é um babaca mal educado, mas alguem sem escolha, saio ganhando. Uma vez admitindo que, não por falta de gentileza ou solidariedade mas, por simples e pura auto-preservacao que as pessoas sabotam incessantemente umas as outras, teria eu como nao me apreciar com a possibilidade de ficar de pe e ceder lugar para alguem quase amoral que dele tanto necessita? Usurpando-lhe o banco, cujo papel essencial na vida dessa pessoa é connhecido por mim, poderia continuar vivendo de cabeça erguida? 15 minutos em pé todo dia, e no ponto final desce do onibus uma pessoa melhor, mais justa, e que tem a sorte de viver num mundo cheio de pessoas gentis, ainda que sem oportunidade.Tudo isso por o que? Um lugar no coletivo?Que o levem! Ao contrario do poeta, nao refastelo-me na poltrona, nem tao comoda, do onibus. Ainda assim, perdi o banco mas ganhei o mundo. (mesmo que por trinta minutos)
nao deleta esse que amanha eu vou ler e deleto esse comentário uó aqui
ResponderExcluirVocê se referir em paz interior, lembro que é, justamente, o que falta para muitas pessoas, que se ocupam de inveja e ambição vaga e não desejam um bom dia para o cobrador, por exemplo, por temer que o dia dele seja melhor que o seu próprio dia. Enfim, vai ver não é culpa deles mesmo, mas se formos pensar nessa possibilidade, teríamos de ir muito longe para achar a resposta.
ResponderExcluir"Ainda assim, perdi o banco mas ganhei o mundo. (mesmo que por trinta minutos)" - resumo de todo o texto - bastante conceitual, de fato!