segunda-feira, 13 de abril de 2009

Diálogo com a Lua.

Hoje, por detrás do mar de morros, sobe, furtivamente, a Lua. Logo ela, que não costuma esconder-se, distraída que é essa eterna enamorada dos homens. Hoje, porém, sobe furtiva. Fora revelada pela Escuridão que se recusara a permitir que ninguém assistisse ao espetáculo que ela hoje, particularmente, protagoniza. Rompe o negro celestial. Está linda e plúmbea e provocante, essa sempre tão casta apaixonada.

Sobe furtiva,tem vergonha. Surpreendeu-se, percebeu que estava excepcionalmente bela hoje ecomo mulher que ao acordar encontra-se maquiada corou-se ainda mais. Assusta-lhe sua repentina e fugaz beleza. Evita ser vista pois não quer alimentar falsas expectativas nem tampouco expor a vulgaridade agora gritante do resto do cenário. Entretanto, não obstante seu empenho, avisto-a detrás do mar de morros.

Irrita-se. Pede ajuda a uma nuvem que, meio por amizade meio por inveja,aceita cobri-la. Ainda que lamente sua decisão, que me resta sozinho, paro e imagino seus motivos. Suponho que se branca e casta aparece quase todas as noites é tão somente por assim ser. Creio que ela não quer num surto de esplendor sobre o qual não possui culpa ou controle, conquistar-nos pela aparência simplesmente.

É carinhosa conosco ainda que tenha sido muito iludida nesses milênios que flertara com a Terra. Lealmente, mesmo que às vezes escondida, guardara os Homens dos perigos da noite e da angústia do breu. Amando-os sinceramente. Alguma vez recebera algo em troca? Nunca. Lembraram dela quando era necessária inspiração. E só. Dessa, tomada à força, surgiram poemas quase sempre medíocres. Ela adoraria ter recebido um que fosse. Nenhum. A ela viriam apenas roubar-lhe o encanto. Sem motivo.Daria de bom grado todo o lirismo que quisessem por uns poucos segundos de conversa. Quem com ela trocasse rápido olhar, receberia, já pronto, um poema. Pelo menos assim imagino.

Acho que já está acostumada à ilusão. Mesmo assim, não acho que previra a humilhação que sentiu recentemente, algumas décadas atrás. Quase ontem em tempo lunar.Foi nessa época que assistia maravilhada à construção de foguetes. Tinham-na ouvido finalmente, pensou contente. Buscavam alcançá-la e já não era sem tempo, concluiu ingênua.Entrou em êxtase. Nesse surto de contentamento, talvez tenha até considerado esquecer ofensas prévias. Um novo começo, pensava. Desatenta, deixou passar ser meio e não fim. Passiva, de tão iludida deixou-se iludir. Não se preparou para o desgosto que teria. Grande a ponto de eu mesmo não conseguir imaginar, o que me faz ter pena dela.

Penso que quando avistou, ao longe, o fatídico foguete portador de sua desgraça, teve suas duvidas quanto ao sucesso da empreitada. Aproximava-se, era verdade, mas isso tantos outros fizeram sem sucesso em alcançá-la. Se permitiu-se ficar esperançosa, creio que foi apenas quando o foguete chegou perto o suficiente para que pudesse ler em sua lateral, em letras garrafais, Apolo 11. Teve certeza e gelou. Gelou como se fosse menina do alto de seus bilhões de anos. E mais que seu jeito leve, que suas formas delicadas ou seu brilho sutil, hoje excepcionalmente plúmbeo e indescritivelmente lindo, foi esse gelo que suponho ter sentido que me da a certeza que Lua tem alma feminina.

Então, qual não deve ter sido sua surpresa quando, sem direcionar-lhe uma palavra que fosse, desce do módulo um sujeito. Esse, ignorando-a, finca uma bandeira. Pega um punhado de pedras, deixa uma placa destinada a outros, declara, conquista e vai embora assim simplesmente. Acho que rangeu de raiva. Aguentara tudo, menos a parte da conquista. Certamente estava ofendida. Conquistada? Logo ela, sempre tão devota! Foi quando percebeu que ninguém, em todo esse tempo, parou para ouvi-la. E desde então é triste. Sentiu-se usada. Há até quem afirme que nesse dia perdera um pouco de brilho, não sei, mas imagino que ela esperasse mais daqueles que tanto lirismo lhe roubaram. Temo ser verdade que perdera parte do seu brilho e lamento não ver a cor de fogo dessa noite no brilho original.

Coincidência ou não, conforme escrevo, percebo que se abre uma fresta nas nuvens. Ainda arisca, a Lua parece observar-me. Não exibe-se ainda, mas não parece mais preocupada em esconder-se. Não quer brilhar mais forte, mas presenteia-me com sua presença.Se escreve comigo ou se lê, não sei. O certo é que participa e pinta de vermelho meu papel. Torna-se amiga.Arrependera-se de restar-me sozinho no chão e veio afrouxar sua solidão no céu. Sei que agora presta atenção em mim, e ela sabe que me envergonho pelo modo que foi tratada. Não acho que ela guarde rancor. Ela confirma meu palpite, brilha com vontade como que para não desperdiçar nada desse brilho transitório, febril e lindo que, eu sei, é cor de abraço.



Ps: Agradeçam a pontuação coerente ao Guigui Meirelles que demorou 13 anos pra me ensinar a escrever. Brigadão Meira!

Um comentário:

  1. Enquanto você escrevia e olhava a Lua, eu a sentia fervorosamente. Foram palavras notórias, mas que ninguém nunca se atreveu a usá-las de forma tão vigorosa! Acho que a Lua nunca recebeu uma característica melhor que "provocante" - e confesso que me deixou com bastante inveja. E eu, que sou apaixonada por ela e que nunca sentira pena da sua presença, até passei a sentir um pouco. Esse texto me envolveu e, quando acabou, desejei que ela tivesse sofrido um pouco mais, só para continuar a leitura.

    "E mais que seu jeito leve, que suas formas delicadas ou seu brilho sutil, hoje excepcionalmente plúmbeo e indescritivelmente lindo, foi esse gelo que suponho ter sentido que me da a certeza que Lua tem alma feminina" - e como tem. (Esse gelo é a melhor coisa!)

    "Se escreve comigo ou se lê, não sei" - se lia, certeza que gelou outra vez.

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