12 de abril de 2009. Páscoa. Por falta de religiosidade não penso no significado espiritual do dia e sim no material, que nessa data traduz-se em ovos de chocolate. Por isso e por falta de vergonha na cara. Com uma prova de Calculo para a qual não estou preparado, nao pensando em estudar, deveria pensar seriamente em rezar já que só milagre me salvará de um 0 tão oval quanto o chocolate causador do meu devaneio. Ainda assim penso nele, ignorando situacao acadêmica profeta de futuro no qual não poderei compra-lo ou tampouco terei tempo pra pensar bobagem.
A reflexão sobre ovos de páscoa começou hoje cedo, quando encarava, burocraticamente, aqueles que sobre a mesa repousavam. Faço questão de encará-los. Analiso esperançoso cada detalhe de seu inusitado formato oval da profusão de cores metalicas que protagonizam, busco sentido. Necessito de razão concreta que justifique a meu intelecto o fato de ter pago tão mais pelo simples fato de serem inusitadamente foramatados e coloridos.
Claro, poderia enganar-me. Nada impediria justificar a subita alta do chocolate/grama baseado na dogmatica lei da oferta e da demanda. Ora, é pascoa! Todos sabem que nessa epoca do ano a procura por chocolate dispara. Teria me curvado às leis de mercado na páscoa como todos são obrigados a curvar-se em qualquer dia do ano. Nenhuma vergonha ou dilema nisso. Seria uma conclusao satisfatória. Isso não fosse meu hábito, esse definitivamente sem explicação, de acompanhar o preço das barras de chocolate. Semanas antes notara que o preço das barras estava a cair com a aproximação da páscoa. A abordagem economica não era a saida.
Retornei ao concreto, torcendo para que minha resposta fosse física e estivesse logo ali, sobre a mesa. Eram ovais, sim. Juntos criavam imagem agradavel aos olhos, realmente. Pronto, era aquilo. Não vi nada demais e arrependi-me profundamente por não ser fanatico seguidor das convenções. Dessa forma poderia, simplesmente, aceitar que eram caros porque eram ovos, eram ovos porque era páscoa e que, ora bolas, todos sabiam que na páscoa compra-se ovos que são caros. As razões disso pouco interessariam. Não era esse, entretanto, o caso. Piorando minha situação estava o fato de que, praticamente em todos os anos anteriores, comprara o valor correspondente aos ovos em barras de chocolate. Apelar para os costumes tampouco me ajudara.
Voltei-me para o simplismo. Acetei, baseado tão somente na vontade de aceitar, que os comprara por serem coloridos e ovais. Ferido em meu orgulho acrescentei, mentalmente, que essa era uma extravagância que poderia bancar. Pronto, em cores e formatos baseou-se minha escolha. Nessa hora, guarda baixada, levo um golpe. Reparo que no extremo oposto da mesa, camuflado entre a cauda pavonesca de seus colegas, encontrava-se um Galak.
O safado era branco. Só isso, branco. Ah, Seu Ovo sem vergonha! Pensei em quebrá-lo mas sairia perdendo. Sem seu formato oval não teria mais desculpas para justificar o preço que pagara. Senti-me ridicularizado. A profusão de cores, que antes louvei, agora tornava-me ridiculo. Os ovos riam-se de mim e mimicamente indicavam com suas copas o tamanho da pilha de barras que o mesmo dinheiro podia ter comprado. Trinta dinheiros esses judas ovais haviam vendido meu orgulho. E os trinta dinheiros eram meus! Diferente da bíblia, esses traidores não se arrependeriam e meu orgulho nao ressucitaria após três dias. A prova de cálculo selaria pra sempre meu sepulcro intelectual, não haveria milagre. O modo como os ovos parecem enforcados quando expostos no supermercado agora fazia sentido, esses Judas as avessas.
Senti tristeza, e foi esse sentimento que me trouxe num clarão redentor a solução. Errara ao tentar racionalizar o ovo de Páscoa. Pecara, e estava arrependido. A arte me salvaria. Racionalizando ignorei a prévia existencia de um periodo artístico que justificava tudo. Dos preços exorbitantes ao ovo branco, tudo tinha uma razão na filosofia desse estilo. Como escapou a mim, um mineiro, o Barroco?
Agora com novos olhos pude ver a obra-prima do barroco mineiro, desterrada, que patrocinara. Na minha casa, sobre a mesa e na minha frente desde o começo. Tudo ali. Saio de otário das compras para mecenas do neo-barroco .Toda a temática, a dúvida , as tentações, tudo! Luz e sombra na minha frente. O sublime, bem representado pelo chocolate. O desperdício das capelas banhadas a ouro, lembrado pelos preços altissimos que agora eram motivo de orgulho. Da representacão das tentacões terrenas ocupava-se o papel de embrulho que atrai, mas não sacia. O branco acusador do Galak intruso parecia-me, agora, angelical. Tipico homem barroco, busquei redenção e, atipicamente, alcancei-a. Minha sala era toda um patrimonio cultural e percebendo isso apressei-me em pegar meu chocolate temendo uma súbita aparição de representante da Unesco que ao tombar minha obra de arte me impediria de comê-la.
Já com o coração e alma alimentados pela arte e não mais que por pura ostentação, resolvi saciar também meu intelecto que, teimoso, ainda buscava explicação visto que não lhe agradava o Barroco. Foi então que, de uma só vez, comi toda parcela do chocolate que me cabia. No ímpeto devorador levei também bocadas de chocolate alheio. Para meu objetivo final quanto mais melhor. Seguindo o descontrole veio a conta, em forma de mal estar. Impiedosa, deixou me prostrado no sofa, que encontrava-se sujo como campo de batalha. Assim, e só assim, pude, finalmente, louvar racionalmente o Ovo de Pascoa e o desperdício que ele representa. Experimentando tamanho desconforto agradeci sinceramente pois, se tivesse quantidade de barras no valor dos ovos, teria sido batalha perdida.
"Ainda assim penso nele, ignorando situacao acadêmica profeta de futuro no qual não poderei compra-lo ou tampouco terei tempo pra pensar bobagem." - quão trágico! hahah
ResponderExcluirSe me permite defender minha classe, os preços absurdamente sobem pq designers mais competentes fazem eles parecerem mais interessantes e compráveis por fora (já que o gosto não muda mesmo!). E eles fazem isso só de vingancinha hehe, fala mal mas paga pau!
"Isso não fosse meu hábito, esse definitivamente sem explicação, de acompanhar o preço das barras de chocolate." - gordinhos tensos tem hábitos estranhos... sabe como é!
E apelemos para o capitalismo: o comércio cria datas fictícias, baseadas em tradições absudar (um coelho correndo com ovos de chocolate? faz favor) apenas para q o dinheiro role solto. E nós, seres alienados, nascemos e adquirimos tais princípios, o que nos faz cair em tal "extravagância que eu poderia bancar", voilà a resposta para suas perguntas. Mas eu deixo vc se sentir um mecenas apreciando o sentimento de completar sua coleção de quadros numa galeria sustentada nao por cal, mas nada mais nada menos que... cacau!
"Impiedosa, deixou me prostrado no sofa, que encontra-va se sujo devido a minha promiscuidade gastronomica." - e no final das contas, vc confirma o que eu sempre afirmei... devo repetir?
Que eu sou gordo você poderia deduzir sem ler isso tudo!
ResponderExcluirauhahuaua
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCÔMICO, totalmente CÔMICO. Foi tipo uma daquelas histórias trágicas, à la Woody Allen, que nos fazem rir das desgraças alheias, que, na verdade, acontecem com todos - e nos deixam mais idiotas em lembrar disso depois, fato.
ResponderExcluirAcho que pensar sobre tudo isso foi uma tática usada pelos fabricantes, para que você ficasse com mais fome, por causa do esforço, e comesse mais. Parece que funcionou.