terça-feira, 29 de setembro de 2009

Os que dormem e não sonham, o que querem?
E se querem, por que nao sonham?
Se não sonham, pra que vivem?

Mas quem disse que dormem?
Ainda que deitem, olhos fechados
Voltam cansados, nao dormiram
Voltam tristes

Querem nao querer mais nada,
então apagam

A mesma vida
Que no contraste com os sonhos
Se torna concreta
É negada na falta deles

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Pra Bela ficar feliz

Sentados, lado a lado, dois amantes
Cuja propria condicao ignoravam
Sentados, lado a lado, se encontravam
E, assim, se quedariam alguns instantes.

Quando. notando resistencia persistente
(nenhum ousaria abrir-se antes)
Delegaram as maos, ainda que relutantes
Que dos assuntos do amor tomassem frente

Sentados, mas agora maos se davam
Lado a lado, ignoravam novamente
O infinito que um dar de maos mudava

o infinito, agora ignoravam
Pois perdidos nas maos que se encontravam
Amavam, lado a lado, simplesmente.

domingo, 20 de setembro de 2009

Vejo-te dormir
Tu, por tua vez, somente dormes.
Ainda assim, é com tanta graça que nada fazes…
Passo a mao no teu cabelo, numa vagarosidade caricata
E, quem sabe, a noite nao perceba que passa muito rapido,
E que convinha que parasse um pouco
Inutil, ela passa
Não importa,
Eu fico.

domingo, 23 de agosto de 2009

Suspeite das mãos que se dão. Não há entrega que a do vazio, embrulhado ou não em promessas.

Tema dedos entrelaçados, enganam-se. Ao ver-los, tambem desejará ser enganado.
Observe o ridículo de dar-se as mãos. Essa ideia de um núcleo feito de extremos, mas cercado de nada. Aprenda como mesmo quando unidos criamos centros que se isolam ao fingirem aproximar.

Procure, nas mãos dadas, o abraço. Quando não acha-lo, procure o por quê. Ao não sabê-lo pergunte-se pra quê, então, as mãos que se dão. Encontrará apenas a razão da suspeita. Dar mãos é o jeito complicado de não dar nada.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Minhas possibilidades são infinitas, mas o são dentro de um segmento que diminui a cada segundo. Assim, não há nada que eu não possa ser que eu possa ser e vice-versa. Tenho escolhas limitadas pelo acaso, pelo tempo e por suas antecessoras. Por ser homem não posso ser mulher, com dezenove anos não posso ter dez e acordado às três da manhã não posso ter ido dormir às nove da noite. Qualquer outra combinação, não seria eu.


Não poder ter outro primeiro amor é o que me faz poder ter um, pra começo de conversa. A identidade das coisas está no não ser, e o ser é a sobra de tudo que não se é. E é por isso que cada uma das minhas escolhas vale um infinito, que foi o que eu troquei por elas.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Diálogo com a Lua.

Hoje, por detrás do mar de morros, sobe, furtivamente, a Lua. Logo ela, que não costuma esconder-se, distraída que é essa eterna enamorada dos homens. Hoje, porém, sobe furtiva. Fora revelada pela Escuridão que se recusara a permitir que ninguém assistisse ao espetáculo que ela hoje, particularmente, protagoniza. Rompe o negro celestial. Está linda e plúmbea e provocante, essa sempre tão casta apaixonada.

Sobe furtiva,tem vergonha. Surpreendeu-se, percebeu que estava excepcionalmente bela hoje ecomo mulher que ao acordar encontra-se maquiada corou-se ainda mais. Assusta-lhe sua repentina e fugaz beleza. Evita ser vista pois não quer alimentar falsas expectativas nem tampouco expor a vulgaridade agora gritante do resto do cenário. Entretanto, não obstante seu empenho, avisto-a detrás do mar de morros.

Irrita-se. Pede ajuda a uma nuvem que, meio por amizade meio por inveja,aceita cobri-la. Ainda que lamente sua decisão, que me resta sozinho, paro e imagino seus motivos. Suponho que se branca e casta aparece quase todas as noites é tão somente por assim ser. Creio que ela não quer num surto de esplendor sobre o qual não possui culpa ou controle, conquistar-nos pela aparência simplesmente.

É carinhosa conosco ainda que tenha sido muito iludida nesses milênios que flertara com a Terra. Lealmente, mesmo que às vezes escondida, guardara os Homens dos perigos da noite e da angústia do breu. Amando-os sinceramente. Alguma vez recebera algo em troca? Nunca. Lembraram dela quando era necessária inspiração. E só. Dessa, tomada à força, surgiram poemas quase sempre medíocres. Ela adoraria ter recebido um que fosse. Nenhum. A ela viriam apenas roubar-lhe o encanto. Sem motivo.Daria de bom grado todo o lirismo que quisessem por uns poucos segundos de conversa. Quem com ela trocasse rápido olhar, receberia, já pronto, um poema. Pelo menos assim imagino.

Acho que já está acostumada à ilusão. Mesmo assim, não acho que previra a humilhação que sentiu recentemente, algumas décadas atrás. Quase ontem em tempo lunar.Foi nessa época que assistia maravilhada à construção de foguetes. Tinham-na ouvido finalmente, pensou contente. Buscavam alcançá-la e já não era sem tempo, concluiu ingênua.Entrou em êxtase. Nesse surto de contentamento, talvez tenha até considerado esquecer ofensas prévias. Um novo começo, pensava. Desatenta, deixou passar ser meio e não fim. Passiva, de tão iludida deixou-se iludir. Não se preparou para o desgosto que teria. Grande a ponto de eu mesmo não conseguir imaginar, o que me faz ter pena dela.

Penso que quando avistou, ao longe, o fatídico foguete portador de sua desgraça, teve suas duvidas quanto ao sucesso da empreitada. Aproximava-se, era verdade, mas isso tantos outros fizeram sem sucesso em alcançá-la. Se permitiu-se ficar esperançosa, creio que foi apenas quando o foguete chegou perto o suficiente para que pudesse ler em sua lateral, em letras garrafais, Apolo 11. Teve certeza e gelou. Gelou como se fosse menina do alto de seus bilhões de anos. E mais que seu jeito leve, que suas formas delicadas ou seu brilho sutil, hoje excepcionalmente plúmbeo e indescritivelmente lindo, foi esse gelo que suponho ter sentido que me da a certeza que Lua tem alma feminina.

Então, qual não deve ter sido sua surpresa quando, sem direcionar-lhe uma palavra que fosse, desce do módulo um sujeito. Esse, ignorando-a, finca uma bandeira. Pega um punhado de pedras, deixa uma placa destinada a outros, declara, conquista e vai embora assim simplesmente. Acho que rangeu de raiva. Aguentara tudo, menos a parte da conquista. Certamente estava ofendida. Conquistada? Logo ela, sempre tão devota! Foi quando percebeu que ninguém, em todo esse tempo, parou para ouvi-la. E desde então é triste. Sentiu-se usada. Há até quem afirme que nesse dia perdera um pouco de brilho, não sei, mas imagino que ela esperasse mais daqueles que tanto lirismo lhe roubaram. Temo ser verdade que perdera parte do seu brilho e lamento não ver a cor de fogo dessa noite no brilho original.

Coincidência ou não, conforme escrevo, percebo que se abre uma fresta nas nuvens. Ainda arisca, a Lua parece observar-me. Não exibe-se ainda, mas não parece mais preocupada em esconder-se. Não quer brilhar mais forte, mas presenteia-me com sua presença.Se escreve comigo ou se lê, não sei. O certo é que participa e pinta de vermelho meu papel. Torna-se amiga.Arrependera-se de restar-me sozinho no chão e veio afrouxar sua solidão no céu. Sei que agora presta atenção em mim, e ela sabe que me envergonho pelo modo que foi tratada. Não acho que ela guarde rancor. Ela confirma meu palpite, brilha com vontade como que para não desperdiçar nada desse brilho transitório, febril e lindo que, eu sei, é cor de abraço.



Ps: Agradeçam a pontuação coerente ao Guigui Meirelles que demorou 13 anos pra me ensinar a escrever. Brigadão Meira!

domingo, 12 de abril de 2009

A vida numa pipoquinha

Me surpreendi comendo pipoca. Não qualquer pipoca, até porque da tradicional só gosto da doce. (A salgada gruda no dente e dá sede). Me refiro aquela pipoca vagabunda, come-come, do saco rosa meio transparente. Pois então, me surpreendi comendo aquilo. Insisto em enfatizar minha surpresa porque essa pipoca é ruim demais.

Ainda assim, algo me atrai naquele pedaço de isopor comestível ( será?). Estou certo de que naquele canto da indústria alimentícia aparentemente desconhecido dos órgãos reguladores produz-se mais que “comida”, termo que usarei na falta de denominação mais proxima. A fabrica da pipoquinha come-come vende metáforas.

Tentarei explicar em poucas linhas o que vende esse Willy Wonka brasileiro que é o proprietário de tão valorosa marca. As pipocas come-come são a mais perfeita metáfora da vida. Sim, vida, essa mesmo que estamos a desperdiçar nesse momento. A coisa real.

Ambas, vida e pipoquinha, são mais parecidas do que uma olhada no saco plástico rosa possa transparecer. A pipoquinha, com sua textura isoporesca, é quase um teste de perseverança. Aquilo não tem gosto e se insistimos em mastiga-la, não é por mais que inércia e educação. Também muitas vezes é assim a vida. Sem gosto, sem propósito aparente. Continuamos a viver por inércia, mantemo-nos de pé por educação. As vezes a vida e pipoquinha são difíceis de engolir .

Porém, vez ou outra, dentre as pipoquinhas sem graça encontramos uma que compensa, quem diria? Essa pipoquinha é especial. Na prática, nem pipoquinha é. É açúcar mesmo. Pipoquinhas açucaradas aparecem para os que perseveram e tem fé, quase uma compensaçao cármica `aqueles que engoliram meio quilo de isopor. Semelhante `a pipoquinha é a vida, que vez ou outra tem seus momentos que compensam todo o resto. Também em semelhança ao primeiro caso, esses momentos redentores não são feitos da mesma matéria que os outros.Na prática, mal vida é esse segundo que o céu deixa escapar. O etéreo está para a vida como o açucar para a pipoquinha.

Um minuto de contemplação ou cinquenta centavos. Eis o preço do sentido da vida que se resume em ter fé, simplesmente. Seja no divino, no amor, em si próprio ou na próxima pipoquinha, fé tão somente. Fé nesses momentos construidos de matéria desconhecida, ou de açúcar, que seja. Pode não ser o sentido mais profundo, mas é tudo que se precisa para querermos sempre mais um momento, mais um pacote de pipoquinha come come.

Ovo de Pascoa

12 de abril de 2009. Páscoa. Por falta de religiosidade não penso no significado espiritual do dia e sim no material, que nessa data traduz-se em ovos de chocolate. Por isso e por falta de vergonha na cara. Com uma prova de Calculo para a qual não estou preparado, nao pensando em estudar, deveria pensar seriamente em rezar já que só milagre me salvará de um 0 tão oval quanto o chocolate causador do meu devaneio. Ainda assim penso nele, ignorando situacao acadêmica profeta de futuro no qual não poderei compra-lo ou tampouco terei tempo pra pensar bobagem.

A reflexão sobre ovos de páscoa começou hoje cedo, quando encarava, burocraticamente, aqueles que sobre a mesa repousavam. Faço questão de encará-los. Analiso esperançoso cada detalhe de seu inusitado formato oval da profusão de cores metalicas que protagonizam, busco sentido. Necessito de razão concreta que justifique a meu intelecto o fato de ter pago tão mais pelo simples fato de serem inusitadamente foramatados e coloridos.

Claro, poderia enganar-me. Nada impediria justificar a subita alta do chocolate/grama baseado na dogmatica lei da oferta e da demanda. Ora, é pascoa! Todos sabem que nessa epoca do ano a procura por chocolate dispara. Teria me curvado às leis de mercado na páscoa como todos são obrigados a curvar-se em qualquer dia do ano. Nenhuma vergonha ou dilema nisso. Seria uma conclusao satisfatória. Isso não fosse meu hábito, esse definitivamente sem explicação, de acompanhar o preço das barras de chocolate. Semanas antes notara que o preço das barras estava a cair com a aproximação da páscoa. A abordagem economica não era a saida.

Retornei ao concreto, torcendo para que minha resposta fosse física e estivesse logo ali, sobre a mesa. Eram ovais, sim. Juntos criavam imagem agradavel aos olhos, realmente. Pronto, era aquilo. Não vi nada demais e arrependi-me profundamente por não ser fanatico seguidor das convenções. Dessa forma poderia, simplesmente, aceitar que eram caros porque eram ovos, eram ovos porque era páscoa e que, ora bolas, todos sabiam que na páscoa compra-se ovos que são caros. As razões disso pouco interessariam. Não era esse, entretanto, o caso. Piorando minha situação estava o fato de que, praticamente em todos os anos anteriores, comprara o valor correspondente aos ovos em barras de chocolate. Apelar para os costumes tampouco me ajudara.

Voltei-me para o simplismo. Acetei, baseado tão somente na vontade de aceitar, que os comprara por serem coloridos e ovais. Ferido em meu orgulho acrescentei, mentalmente, que essa era uma extravagância que poderia bancar. Pronto, em cores e formatos baseou-se minha escolha. Nessa hora, guarda baixada, levo um golpe. Reparo que no extremo oposto da mesa, camuflado entre a cauda pavonesca de seus colegas, encontrava-se um Galak.

O safado era branco. Só isso, branco. Ah, Seu Ovo sem vergonha! Pensei em quebrá-lo mas sairia perdendo. Sem seu formato oval não teria mais desculpas para justificar o preço que pagara. Senti-me ridicularizado. A profusão de cores, que antes louvei, agora tornava-me ridiculo. Os ovos riam-se de mim e mimicamente indicavam com suas copas o tamanho da pilha de barras que o mesmo dinheiro podia ter comprado. Trinta dinheiros esses judas ovais haviam vendido meu orgulho. E os trinta dinheiros eram meus! Diferente da bíblia, esses traidores não se arrependeriam e meu orgulho nao ressucitaria após três dias. A prova de cálculo selaria pra sempre meu sepulcro intelectual, não haveria milagre. O modo como os ovos parecem enforcados quando expostos no supermercado agora fazia sentido, esses Judas as avessas.

Senti tristeza, e foi esse sentimento que me trouxe num clarão redentor a solução. Errara ao tentar racionalizar o ovo de Páscoa. Pecara, e estava arrependido. A arte me salvaria. Racionalizando ignorei a prévia existencia de um periodo artístico que justificava tudo. Dos preços exorbitantes ao ovo branco, tudo tinha uma razão na filosofia desse estilo. Como escapou a mim, um mineiro, o Barroco?

Agora com novos olhos pude ver a obra-prima do barroco mineiro, desterrada, que patrocinara. Na minha casa, sobre a mesa e na minha frente desde o começo. Tudo ali. Saio de otário das compras para mecenas do neo-barroco .Toda a temática, a dúvida , as tentações, tudo! Luz e sombra na minha frente. O sublime, bem representado pelo chocolate. O desperdício das capelas banhadas a ouro, lembrado pelos preços altissimos que agora eram motivo de orgulho. Da representacão das tentacões terrenas ocupava-se o papel de embrulho que atrai, mas não sacia. O branco acusador do Galak intruso parecia-me, agora, angelical. Tipico homem barroco, busquei redenção e, atipicamente, alcancei-a. Minha sala era toda um patrimonio cultural e percebendo isso apressei-me em pegar meu chocolate temendo uma súbita aparição de representante da Unesco que ao tombar minha obra de arte me impediria de comê-la.

Já com o coração e alma alimentados pela arte e não mais que por pura ostentação, resolvi saciar também meu intelecto que, teimoso, ainda buscava explicação visto que não lhe agradava o Barroco. Foi então que, de uma só vez, comi toda parcela do chocolate que me cabia. No ímpeto devorador levei também bocadas de chocolate alheio. Para meu objetivo final quanto mais melhor. Seguindo o descontrole veio a conta, em forma de mal estar. Impiedosa, deixou me prostrado no sofa, que encontrava-se sujo como campo de batalha. Assim, e só assim, pude, finalmente, louvar racionalmente o Ovo de Pascoa e o desperdício que ele representa. Experimentando tamanho desconforto agradeci sinceramente pois, se tivesse quantidade de barras no valor dos ovos, teria sido batalha perdida.